quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Comer Rezar Amar

Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero...
(Álvaro de Campos )



Comer Rezar Amar

Alguma crítica

Fui assistir ontem, no auge dos meus 29 anos, ao filme Comer Rezar Amar, com uma grande amiga. Apesar de algumas boas gafes do filme, como um ator notadamente castelhano, como Javier Bardem, no papel de um brasileiro e com um português risível; as entradas nada naturais de músicas brasileiras bossa nova sempre que o personagem aparece; a citação no filme de que os brasileiros homens costumam beijar na boca homens da mesma família (nunca vi isso na minha vida, alguém já??); além do choro e fragilidade exacerbada de quase todos personagens masculinos do filme; o filme é bom em vários aspectos e me trouxe diversas reflexões que gostaria de compartilhar. Fica a crítica à falta de pesquisa antropológica de Hollywood. Gente, se vamos falar de outra cultura, não custa nada dar uma mínima pesquisada pra isso, não?

Paisagens de encher os olhos, a Itália das artes, do entusiasmo, da gastronomia, do comer bem, do prazer. A Índia das cores, dos tecidos, dos adereços, da busca pela iluminação. Bali com suas belezas naturais e a simplicidade sustentável da vida na ilha. Acredito que muitas pessoas já tenham pensado em fugir dos problemas de suas vidas fazendo uma bela viagem. Algumas não têm condições financeiras para encarar esta “terapia”, para outras falta coragem. É interessante assistir, no filme Comer Rezar Amar, o quanto qualquer viagem pode ser transformadora, somente pela mudança de ambiente, por conhecer novas pessoas e paisagens, simplesmente. A busca da personagem, no entanto, era mais longa: visava o auto-conhecimento, a libertação.

Essa busca, muitos de nós encara pela vida toda. Ela teve a sorte de encontrar entre amores, dissabores, amigos e desconhecidos, alguns gurus. Essa sorte realmente é bastante ímpar na biografia da escritora Elizabeth Gilbert, interpretada por Julia Roberts. As angústias da vida moderna, de não estarmos exatamente no lugar onde gostaríamos de estar, de não termos realizado um feito extraordinário, de não termos nosso nome numa placa, na capa das revistas, de um livro; os quinze minutos de fama, muito dinheiro, um amor avassalador para o resto da vida, filhos perfeitos... A angústia da protagonista nos causa identificação, porque todos nós vivemos decepções amorosas, acreditamos nos contos de fadas nos quais o amor é para sempre e não traz os problemas da convivência; onde não existe amargura, rancor, arrependimento. E a culpa, tão bem retratada pelos personagens.

Interessante para mim também foram algumas mensagens levantadas pelos questionamentos da protagonista. Liz chega às ruínas em Roma e escreve para seu ex-namorado expressando que não devemos manter-nos em uma situação de desconforto por medo de nos arruinarmos. Ela acredita na importância da ruína, de destruir algo hoje, para construir algo novo amanhã. Quem de nós não temeu alguma vez essa mudança? A ruína, o sofrimento, o medo do novo, de começar do zero de novo? A metáfora da ruína é fantástica.

Outra predição, do amigo Richard, na Índia, pra mim foi bastante engrandecedora. A de que devemos buscar o perdão de nós mesmos para superar os arrependimentos, e de que não devemos ser auto-piedosos no sentido dramático, apegados aos nossos dramas, mas verdadeiramente buscar o perdão. E quanto aqueles que amamos e deixamos pelo caminho, que devemos não somente buscar o vazio em relação àquelas pessoas, mas devemos amá-las, devemos enviar amor e paz pra essas pessoas, orar por elas, por que não? E assim esquecê-las, superá-las, para poder viver novas experiências. Olhar para o passado com o amor de quem aprendeu com as passagens, com as dinâmicas, com o sofrimento. Com um olhar generoso. A cena da dança no terraço do templo, entre Liz e o ex-marido, é poética.

E a grande mensagem do filme para mim é a amizade. A amizade que nos dá a todo instante uma família, onde quer que estejamos. A solidariedade entre as pessoas, mesmo às mais diferentes. O crescimento pessoal que os relacionamentos de amizade nos trazem, e novamente, a generosidade. Dar para receber e sempre recebemos dos amigos. A amizade no filme é elevada ao status máximo, porque retrata aqueles aos quais escolhemos amar, incondicionalmente, nos dedicamos e acompanhamos por momentos em nossas vidas.

Mesmo aos amigos, que passam pela nossa vida, não devemos ter apego. Devemos compartilhar com eles o presente, sempre que possível, valorizar essa convivência e também saber deixá-la pra trás, muitas vezes, porque a vida é dinâmica e não podemos estar sempre no mesmo tempo e lugar. Que bom que novas amizades surgem e que outras permanecem, se fortalecem. Que podemos reencontrar velhos amigos e conversar como se o último encontro tivesse sido ontem.


A atuação de Richard Jenkins, o veterano ator norte-americano, quase sempre coadjuvante , é outro diferencial do filme e soma-se ao talento dos atores orientais menos conhecidos da trama. Ele dá um verdadeiro show de interpretação no papel de um alcoólatra que busca a redenção na Índia e serve como a mosca da sopa na vida da protagonista - o grilo falante que todos nós agradecemos quando entendemos realmente suas boas intenções por trás da impertinência.
Um brinde com vinho tinto ao filme e às sensações e pensamentos que desperta. Santé!

Comer Rezar Amar
titulo original: (Eat Pray Love)
lançamento: 2010 (EUA)
direção: Ryan Murphy
atores: Julia Roberts , James Franco , Billy Crudup , Viola Davis , Javier Bardem
duração: 133 min
gênero: Drama


terça-feira, 19 de outubro de 2010

3 poemas

Rolando

Minha pele no seu pelo
Seu pelo no meu cabelo
Meu cabelo no seu joelho
Seu joelho no meu quadril
Meu quadril no seu
Cê em mim
Mim no cê
Querer sem fim


Interior

Esparrama o feijão
Conta cinco grãos
Guarda num saquinho de flanela
Guarda na gaveta
Fe-i-jão
Que nunca mais brotará
Pra guardar a memória
O cheiro
O tempo
Daquela casa de fazenda
De janelas amplas
A luz poente
A poeirinha no feixe de luz
O cheiro amadeirado
O final de abril
Que não volta mais


Regato

Regato
Pedaço de vida
Escorrendo num vale pequeno
Molhando as pedras,
Brotando a relva
O musgo
As serpentes d´água levam
Peixinhos, fluidos, vida microscóspica
Leva as bolhas
Leva os gravetos boiando
As aranhas, ariranhas
Leva o frio, a fresca, leva a bruma baixa,
Leva os vivos e os mortos rio abaixo
E deságua, acaba,
Onde outra vida começa
Professa o rio sua reza
O murmúrio d´água
Acalma
Leva névoa
Leva terra
Lava’lma

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Tulipa Ruiz



Essa é uma ótima da nova música brasileira urbana. Muderna essa mulher! ADOREI. Combina com a primeira cerveja gelada da noite, com o esmalte vermelho no pé, com a risada escancarada entre amigas que não se deixam falar, com a cara de espanto, com um vestido encurtado, com um abraço apertado de um velho amigo, com um cachorro latindo assutado, um surto parado, uma roupa rasgada e o fio da meada.

Ne me quitte pas!




Girava a menina
giravam os cabelos
giravam as saias rodando
braço na cintura
pés rápidos
tontura boa
sorrisos
vai parando lentamente
céu azul de testemunha
bandeirolas
corre tonta
pros braços da relva

não há mais liberdade
do que o corpo na grama fresca
do que nós dois olhando estrelas
sem limites
te conto uma vergonha de infância
você me ama mesmo assim
seguimos doidos
a rabeira da estrela cadente
espremo os olhos
peço um casamento
lançado o destino
segue o firmamento
sobre nós
o infinito

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Literatura com sangue latino: peruano Mario Vargas Llosa ganha o Nobel de Literatura

Letícia Feix para a Scritta

A literatura sulamericana está em festa. O peruano Mario Vargas Llosa recebeu o maior prêmio mundial de literatura, o Nobel. A obra do autor é marcada pela história e pelos costumes da América Latina, trazendo muitas vezes a discussão política e a crítica às ditaduras. também mostra várias faces biográficas em histórias e romances que contam com a influência do existencialismo e grandes doses de erotismo. Romances como Pantaleão e as Visitadoras, Conversa na Catedral, Tia Júlia e o Escrivinhador, e mais recentemente Travessuras da Menina Má são grandes sucessos do escritor, que também escreveu sobre a realidade brasileira, em A Guerra do Fim do Mundo, sobre a revolta de Canudos. A obra foi dedicada ao escritor Euclides da Cunha, autor de Os Sertões.

Ativista político, o autor é conhecido por posições de direita e foi candidato à presidência do Peru em 1990.  A enciclopédia virtual Wikipedia noticiou: “Em 7 de outubro de 2010 foi agraciado com o Prêmio Nobel da Literatura pela Academia Sueca de Ciências por sua "por sua cartografia de estruturas de poder e suas imagens vigorosas sobre a resistência, revolta e derrota individual". O presidente do Peru, Alan García, considerou o prêmio a Llosa como "um reconhecimento a um peruano universal"”.

Vencedor de inúmeros outros prêmios de literatura, o autor, de 74 anos é membro da Academia Peruana de Línguas desde 1977, e da Real Academia Española (RAE) desde 1994. Tem vários doutorados honoris causa por universidades da Europa, América e Ásia; pode-se citar os concedidos pelas universidades de Yale (1994), Universidade de Israel (1998), Harvard (1999), Universidade de Lima (2001), Oxford (2003), Universidade Europeia de Madrid (2005) e Sorbonne (2005). Em entrevistas à imprensa internacional, o escritor contou com bom humor que acreditou que a notícia do Nobel era um trote: "Estou surpreso e ainda não consigo acreditar", acrescentou. Sobre a importância do acontecido, Llosa enfatizou que "o prêmio também reconhece a importância da literatura latino-americana", e completou: “a liberdade e a democracia são o verdadeiro caminho do progresso, que acredito que seja o papel de um escritor defender".

A Scritta Comunicação empresarial saúda o escritor e indica o livro “As travessuras da menina má”. Nesse romance de Llosa, o protagonista narra sua tragetória entrecortada pelos encontros e desencontros com uma mulher nada comum, entre memórias de infância no Peru na década de 50. A trama, recheada de fatos autobiagráficos, relata uma relação impetuosa entre a esperta e sedutora Menina Má e  Ricardito, um tradutor da Unesco.  Ao longo do livro, o leitor viaja por lugares famosos do mundo: a França dos anos 60; a Londres entregue ao amor livre dos anos 70; a Tóquio dos grandes mafiosos; e a Madri em plena transição política dos anos 80. O livro é uma verdadeira viagem literária com a qualidade de quem alcança em todos os seus paradoxos a alma humana. Sua leitura é um deleite tanto pela história, como pela narrativa, construída pelo autor com o refinamento da linguagem e das imagens apresentadas. O vencedor do Nobel nos agracia.

Fonte: Wikipedia

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Nas bolhas


Eu queria ter a coragem
De encarar o incerto
O desconhecido
Me libertar das amarras
E surfar nas ondas mexidas do Hawaí
Queria sentir a brisa marítima nos cabelos
E correr de um lado a outro na areia
Vislumbrar o horizonte infinito
Dos confins da terra...
Do mar sem fim
Vou mergulhar nesse sonho
Vou mergulhar nessas bolhas que lambem meu corpo
Vou voltar ao útero
E me dissolver na imensidão
Do sonho
Em mim